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Jó
42 capítulos
Capítulo - 1
1 - Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó. Era homem íntegro e reto, que temia a Deus e se desviava do mal.
2 - Nasceram-lhe sete filhos e três filhas.
3 - Possuía ele sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, tendo também muitíssima gente ao seu serviço; de modo que este homem era o maior de todos os do Oriente.
4 - Iam seus filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três irmãs para comerem e beberem com eles.
5 - E sucedia que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó e os santificava; e, levantando-se de madrugada, oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; pois dizia Jó: Talvez meus filhos tenham pecado, e blasfemado de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.
6 - Ora, chegado o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.
7 - O Senhor perguntou a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela.
8 - Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal?
9 - Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura Jó teme a Deus debalde?
10 - Não o tens protegido de todo lado a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? Tens abençoado a obra de suas mãos, e os seus bens se multiplicam na terra.
11 - Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e ele blasfemará de ti na tua face!
12 - Ao que disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo o que ele tem está no teu poder; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.
13 - Certo dia, quando seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho em casa do irmão mais velho,
14 - veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles;
15 - e deram sobre eles os sabeus, e os tomaram; mataram os moços ao fio da espada, e só eu escapei para trazer-te a nova.
16 - Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei para trazer-te a nova.
17 - Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Os caldeus, dividindo-se em três bandos, deram sobre os camelos e os tomaram; e mataram os moços ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova.
18 - Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Teus filhos e tuas filhas estavam comendo e bebendo vinho em casa do irmão mais velho;
19 - e eis que sobrevindo um grande vento de além do deserto, deu nos quatro cantos da casa, e ela caiu sobre os mancebos, de sorte que morreram; e só eu escapei para trazer-te a nova.
20 - Então Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça e, lançando-se em terra, adorou;
21 - e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor.
22 - Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.
Capítulo - 2
1 - Chegou outra vez o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor; e veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o Senhor.
2 - Então o Senhor perguntou a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela.
3 - Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal? Ele ainda retém a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.
4 - Então Satanás respondeu ao Senhor: Pele por pele! Tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
5 - Estende agora a mão, e toca-lhe nos ossos e na carne, e ele blasfemará de ti na tua face!
6 - Disse, pois, o Senhor a Satanás: Eis que ele está no teu poder; somente poupa-lhe a vida.
7 - Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor, e feriu Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça.
8 - E Jó, tomando um caco para com ele se raspar, sentou-se no meio da cinza.
9 - Então sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua integridade? Blasfema de Deus, e morre.
10 - Mas ele lhe disse: Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos de Deus o bem, e não receberemos o mal? Em tudo isso não pecou Jó com os seus lábios.
11 - Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, Bildade o suíta e Zofar o naamatita; pois tinham combinado para virem condoer-se dele e consolá-lo.
12 - E, levantando de longe os olhos e não o reconhecendo, choraram em alta voz; e, rasgando cada um o seu manto, lançaram pó para o ar sobre as suas cabeças.
13 - E ficaram sentados com ele na terra sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande.
Capítulo - 3
1 - Depois disso abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.
2 - E Jó falou, dizendo:
3 - Pereça o dia em que nasci, e a noite que se disse: Foi concebido um homem!
4 - Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz.
5 - Reclamem-no para si as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que escurece o dia.
6 - Quanto àquela noite, dela se apodere a escuridão; e não se regozije ela entre os dias do ano; e não entre no número dos meses.
7 - Ah! que estéril seja aquela noite, e nela não entre voz de regozijo.
8 - Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam os dias, que são peritos em suscitar o leviatã.
9 - As estrelas da alva se lhe escureçam; espere ela em vão a luz, e não veja as pálpebras da manhã;
10 - porquanto não fechou as portas do ventre de minha mãe, nem escondeu dos meus olhos a aflição.
11 - Por que não morri ao nascer? por que não expirei ao vir à luz?
12 - Por que me receberam os joelhos? e por que os seios, para que eu mamasse?
13 - Pois agora eu estaria deitado e quieto; teria dormido e estaria em repouso,
14 - com os reis e conselheiros da terra, que reedificavam ruínas para si,
15 - ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata;
16 - ou, como aborto oculto, eu não teria existido, como as crianças que nunca viram a luz.
17 - Ali os ímpios cessam de perturbar; e ali repousam os cansados.
18 - Ali os presos descansam juntos, e não ouvem a voz do exator.
19 - O pequeno e o grande ali estão e o servo está livre de seu senhor.
20 - Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma;
21 - que anelam pela morte sem que ela venha, e cavam em procura dela mais do que de tesouros escondidos;
22 - que muito se regozijam e exultam, quando acham a sepultura?
23 - Sim, por que se concede luz ao homem cujo caminho está escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados?
24 - Pois em lugar de meu pão vem o meu suspiro, e os meus gemidos se derramam como água.
25 - Porque aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece.
26 - Não tenho repouso, nem sossego, nem descanso; mas vem a perturbação.
Capítulo - 4
1 - Então respondeu Elifaz, o temanita, e disse:
2 - Se alguém intentar falar-te, enfadarte-ás? Mas quem poderá conter as palavras?
3 - Eis que tens ensinado a muitos, e tens fortalecido as mãos fracas.
4 - As tuas palavras têm sustentado aos que cambaleavam, e os joelhos desfalecentes tens fortalecido.
5 - Mas agora que se trata de ti, te enfadas; e, tocando-te a ti, te desanimas.
6 - Porventura não está a tua confiança no teu temor de Deus, e a tua esperança na integridade dos teus caminhos?
7 - Lembra-te agora disto: qual o inocente que jamais pereceu? E onde foram os retos destruídos?
8 - Conforme tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam o mesmo.
9 - Pelo sopro de Deus perecem, e pela rajada da sua ira são consumidos.
10 - Cessa o rugido do leão, e a voz do leão feroz; os dentes dos leõezinhos se quebram.
11 - Perece o leão velho por falta de presa, e os filhotes da leoa andam dispersos.
12 - Ora, uma palavra se me disse em segredo, e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela.
13 - Entre pensamentos nascidos de visões noturnas, quando cai sobre os homens o sono profundo,
14 - sobrevieram-me o espanto e o tremor, que fizeram estremecer todos os meus ossos.
15 - Então um espírito passou por diante de mim; arrepiaram-se os cabelos do meu corpo.
16 - Parou ele, mas não pude discernir a sua aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, então ouvi uma voz que dizia:
17 - Pode o homem mortal ser justo diante de Deus? Pode o varão ser puro diante do seu Criador?
18 - Eis que Deus não confia nos seus servos, e até a seus anjos atribui loucura;
19 - quanto mais aos que habitam em casas de lodo, cujo fundamento está no pó, e que são esmagados pela traça!
20 - Entre a manhã e a tarde são destruídos; perecem para sempre sem que disso se faça caso.
21 - Se dentro deles é arrancada a corda da sua tenda, porventura não morrem, e isso sem atingir a sabedoria?
Capítulo - 5
1 - Chama agora; há alguém que te responda; E a qual dentre os entes santos te dirigirás?
2 - Pois a dor destrói o louco, e a inveja mata o tolo.
3 - Bem vi eu o louco lançar raízes; mas logo amaldiçoei a sua habitação:
4 - Seus filhos estão longe da segurança, e são pisados nas portas, e não há quem os livre.
5 - A sua messe é devorada pelo faminto, que até dentre os espinhos a tira; e o laço abre as fauces para a fazenda deles.
6 - Porque a aflição não procede do pó, nem a tribulação brota da terra;
7 - mas o homem nasce para a tribulação, como as faíscas voam para cima.
8 - Mas quanto a mim eu buscaria a Deus, e a Deus entregaria a minha causa;
9 - o qual faz coisas grandes e inescrutáveis, maravilhas sem número.
10 - Ele derrama a chuva sobre a terra, e envia águas sobre os campos.
11 - Ele põe num lugar alto os abatidos; e os que choram são exaltados à segurança.
12 - Ele frustra as maquinações dos astutos, de modo que as suas mãos não possam levar coisa alguma a efeito.
13 - Ele apanha os sábios na sua própria astúcia, e o conselho dos perversos se precipita.
14 - Eles de dia encontram as trevas, e ao meio-dia andam às apalpadelas, como de noite.
15 - Mas Deus livra o necessitado da espada da boca deles, e da mão do poderoso.
16 - Assim há esperança para o pobre; e a iniqüidade tapa a boca.
17 - Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus corrige; não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso.
18 - Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mãos curam.
19 - Em seis angústias te livrará, e em sete o mal não te tocará.
20 - Na fome te livrará da morte, e na guerra do poder da espada.
21 - Do açoite da língua estarás abrigado, e não temerás a assolação, quando chegar.
22 - Da assolação e da fome te rirás, e dos animais da terra não terás medo.
23 - Pois até com as pedras do campo terás a tua aliança, e as feras do campo estarão em paz contigo.
24 - Saberás que a tua tenda está em paz; visitarás o teu rebanho, e nada te faltará.
25 - Também saberás que se multiplicará a tua descendência e a tua posteridade como a erva da terra.
26 - Em boa velhice irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.
27 - Eis que isso já o havemos inquirido, e assim o é; ouve-o, e conhece-o para teu bem.
Capítulo - 6
1 - Então Jó, respondendo, disse:
2 - Oxalá de fato se pesasse a minha mágoa, e juntamente na balança se pusesse a minha calamidade!
3 - Pois, na verdade, seria mais pesada do que a areia dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido temerárias.
4 - Porque as flechas do Todo-Poderoso se cravaram em mim, e o meu espírito suga o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam contra mim.
5 - Zurrará o asno montês quando tiver erva? Ou mugirá o boi junto ao seu pasto?:
6 - Pode se comer sem sal o que é insípido? Ou há gosto na clara do ovo?
7 - Nessas coisas a minha alma recusa tocar, pois são para mim qual comida repugnante.
8 - Quem dera que se cumprisse o meu rogo, e que Deus me desse o que anelo!
9 - que fosse do agrado de Deus esmagar-me; que soltasse a sua mão, e me exterminasse!
10 - Isto ainda seria a minha consolação, e exultaria na dor que não me poupa; porque não tenho negado as palavras do Santo.
11 - Qual é a minha força, para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para que me porte com paciência?
12 - É a minha força a força da pedra? Ou é de bronze a minha carne?
13 - Na verdade não há em mim socorro nenhum. Não me desamparou todo o auxílio eficaz?
14 - Ao que desfalece devia o amigo mostrar compaixão; mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso.
15 - Meus irmãos houveram-se aleivosamente, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam,
16 - os quais se turvam com o gelo, e neles se esconde a neve;
17 - no tempo do calor vão minguando; e quando o calor vem, desaparecem do seu lugar.
18 - As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao deserto, e perecem.
19 - As caravanas de Tema olham; os viandantes de Sabá por eles esperam.
20 - Ficam envergonhados por terem confiado; e, chegando ali, se confundem.
21 - Agora, pois, tais vos tornastes para mim; vedes a minha calamidade e temeis.
22 - Acaso disse eu: Dai-me um presente? Ou: Fazei-me uma oferta de vossos bens?
23 - Ou: Livrai-me das mãos do adversário? Ou: Resgatai-me das mãos dos opressores ?
24 - Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei.
25 - Quão poderosas são as palavras da boa razão! Mas que é o que a vossa argüição reprova?
26 - Acaso pretendeis reprovar palavras, embora sejam as razões do desesperado como vento?
27 - Até quereis lançar sortes sobre o órfão, e fazer mercadoria do vosso amigo.
28 - Agora, pois, por favor, olhai para, mim; porque de certo à vossa face não mentirei.
29 - Mudai de parecer, peço-vos, não haja injustiça; sim, mudai de parecer, que a minha causa é justa.
30 - Há iniqüidade na minha língua? Ou não poderia o meu paladar discernir coisas perversas?
Capítulo - 7
1 - Porventura não tem o homem duro serviço sobre a terra? E não são os seus dias como os do jornaleiro?
2 - Como o escravo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
3 - assim se me deram meses de escassez, e noites de aflição se me ordenaram.
4 - Havendo-me deitado, digo: Quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me revolver na cama até a alva.
5 - A minha carne se tem vestido de vermes e de torrões de pó; a minha pele endurece, e torna a rebentar-se.
6 - Os meus dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão, e chegam ao fim sem esperança.
7 - Lembra-te de que a minha vida é um sopro; os meus olhos não tornarão a ver o bem.
8 - Os olhos dos que agora me vêem não me verão mais; os teus olhos estarão sobre mim, mas não serei mais.
9 - Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir.
10 - Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar o conhecerá mais.
11 - Por isso não reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amargura da minha alma.
12 - Sou eu o mar, ou um monstro marinho, para que me ponhas uma guarda?
13 - Quando digo: Confortar-me-á a minha cama, meu leito aliviará a minha queixa,
14 - então me espantas com sonhos, e com visões me atemorizas;
15 - de modo que eu escolheria antes a estrangulação, e a morte do que estes meus ossos.
16 - A minha vida abomino; não quero viver para sempre; retira-te de mim, pois os meus dias são vaidade.
17 - Que é o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas sobre ele o teu pensamento,
18 - e cada manhã o visites, e cada momento o proves?
19 - Até quando não apartarás de mim a tua vista, nem me largarás, até que eu possa engolir a minha saliva?
20 - Se peco, que te faço a ti, ó vigia dos homens? Por que me fizeste alvo dos teus dardos? Por que a mim mesmo me tornei pesado?
21 - Por que me não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniqüidade? Pois agora me deitarei no pó; tu me buscarás, porém eu não serei mais.
Capítulo - 8
1 - Então respondeu Bildade, o suíta, dizendo:
2 - Até quando falarás tais coisas, e até quando serão as palavras da tua boca qual vento impetuoso?
3 - Perverteria Deus o direito? Ou perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
4 - Se teus filhos pecaram contra ele, ele os entregou ao poder da sua transgressão.
5 - Mas, se tu com empenho buscares a Deus, e ,ao Todo-Poderoso fizeres a tua súplica,
6 - se fores puro e reto, certamente mesmo agora ele despertará por ti, e tornará segura a habitação da tua justiça.
7 - Embora tenha sido pequeno o teu princípio, contudo o teu último estado aumentará grandemente.
8 - Indaga, pois, eu te peço, da geração passada, e considera o que seus pais descobriram.
9 - Porque nós somos de ontem, e nada sabemos, porquanto nossos dias sobre a terra, são uma sombra.
10 - Não te ensinarão eles, e não te falarão, e do seu entendimento não proferirão palavras?
11 - Pode o papiro desenvolver-se fora de um pântano. Ou pode o junco crescer sem água?
12 - Quando está em flor e ainda não cortado, seca-se antes de qualquer outra erva.
13 - Assim são as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; a esperança do ímpio perecerá,
14 - a sua segurança se desfará, e a sua confiança será como a teia de aranha.
15 - Encostar-se-á à sua casa, porém ela não subsistirá; apegar-se-lhe-á, porém ela não permanecerá.
16 - Ele está verde diante do sol, e os seus renovos estendem-se sobre o seu jardim;
17 - as suas raízes se entrelaçam junto ao monte de pedras; até penetra o pedregal.
18 - Mas quando for arrancado do seu lugar, então este o negará, dizendo: Nunca te vi.
19 - Eis que tal é a alegria do seu caminho; e da terra outros brotarão.
20 - Eis que Deus não rejeitará ao reto, nem tomará pela mão os malfeitores;
21 - ainda de riso te encherá a boca, e os teus lábios de louvor.
22 - Teus aborrecedores se vestirão de confusão; e a tenda dos ímpios não subsistirá.
Capítulo - 9
1 - Então Jó respondeu, dizendo:
2 - Na verdade sei que assim é; mas como pode o homem ser justo para com Deus?
3 - Se alguém quisesse contender com ele, não lhe poderia responder uma vez em mil.
4 - Ele é sábio de coração e poderoso em forças; quem se endureceu contra ele, e ficou seguro?
5 - Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor;
6 - o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem;
7 - o que dá ordens ao sol, e ele não nasce; o que sela as estrelas;
8 - o que sozinho estende os céus, e anda sobre as ondas do mar;
9 - o que fez a ursa, o Oriom, e as Plêiades, e as recâmaras do sul;
10 - o que faz coisas grandes e insondáveis, e maravilhas que não se podem contar.
11 - Eis que ele passa junto a mim, e, não o vejo; sim, vai passando adiante, mas não o percebo.
12 - Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?
13 - Deus não retirará a sua ira; debaixo dele se curvaram os aliados de Raabe;
14 - quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher as minhas palavras para discutir com ele?
15 - Embora, eu seja justo, não lhe posso responder; tenho de pedir misericórdia ao meu juiz.
16 - Ainda que eu chamasse, e ele me respondesse, não poderia crer que ele estivesse escutando a minha voz.
17 - Pois ele me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa.
18 - Não me permite respirar, antes me farta de amarguras.
19 - Se fosse uma prova de força, eis-me aqui, diria ele; e se fosse questão de juízo, quem o citaria para comparecer?
20 - Ainda que eu fosse justo, a minha própria boca me condenaria; ainda que eu fosse perfeito, então ela me declararia perverso:
21 - Eu sou inocente; não estimo a mim mesmo; desprezo a minha vida.
22 - Tudo é o mesmo, portanto digo: Ele destrói o reto e o ímpio.
23 - Quando o açoite mata de repente, ele zomba da calamidade dos inocentes.
24 - A terra está entregue nas mãos do ímpio. Ele cobre o rosto dos juízes; se não é ele, quem é, logo?
25 - Ora, os meus dias são mais velozes do que um correio; fogem, e não vêem o bem.
26 - Eles passam como balsas de junco, como águia que se lança sobre a presa.
27 - Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu aspecto, e tomarei alento;
28 - então tenho pavor de todas as minhas dores; porque bem sei que não me terás por inocente.
29 - Eu serei condenado; por que, pois, trabalharei em vão?
30 - Se eu me lavar com água de neve, e limpar as minhas mãos com sabão,
31 - mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão.
32 - Porque ele não é homem, como eu, para eu lhe responder, para nos encontrarmos em juízo.
33 - Não há entre nós árbitro para pôr a mão sobre nós ambos.
34 - Tire ele a sua vara de cima de mim, e não me amedronte o seu terror;
35 - então falarei, e não o temerei; pois eu não sou assim em mim mesmo.
Capítulo - 10
1 - Tendo tédio à minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma:
2 - Direi a Deus: Não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo.
3 - Tens prazer em oprimir, em desprezar a obra das tuas mãos e favorecer o desígnio dos ímpios?
4 - Tens tu olhos de carne? Ou vês tu como vê o homem?
5 - São os teus dias como os dias do homem? Ou são os teus anos como os anos de um homem,
6 - para te informares da minha iniqüidade, e averiguares o meu pecado,
7 - ainda que tu sabes que eu não sou ímpio, e que não há ninguém que possa livrar-me da tua mão?
8 - As tuas mãos me fizeram e me deram forma; e te voltas agora para me consumir?
9 - Lembra-te, pois, de que do barro me formaste; e queres fazer-me tornar ao pó?
10 - Não me vazaste como leite, e não me coalhaste como queijo?
11 - De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste.
12 - Vida e misericórdia me tens concedido, e a tua providência me tem conservado o espírito.
13 - Contudo ocultaste estas coisas no teu coração; bem sei que isso foi o teu desígnio.
14 - Se eu pecar, tu me observas, e da minha iniqüidade não me absolverás.
15 - Se for ímpio, ai de mim! Se for justo, não poderei levantar a minha cabeça, estando farto de ignomínia, e de contemplar a minha miséria.
16 - Se a minha cabeça se exaltar, tu me caças como a um leão feroz; e de novo fazes maravilhas contra mim.
17 - Tu renovas contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estão comigo.
18 - Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se então tivera expirado, e olhos nenhuns me vissem!
19 - Então fora como se nunca houvera sido; e da madre teria sido levado para a sepultura.
20 - Não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento;
21 - antes que me vá para o lugar de que não voltarei, para a terra da escuridão e das densas trevas,
22 - terra escuríssima, como a própria escuridão, terra da sombra trevosa e do caos, e onde a própria luz é como a escuridão.
Capítulo - 11
1 - Então respondeu Zofar, o naamatita, dizendo:
2 - Não se dará resposta à multidão de palavras? ou será justificado o homem falador?
3 - Acaso as tuas jactâncias farão calar os homens? e zombarás tu sem que ninguém te envergonhe?
4 - Pois dizes: A minha doutrina é pura, e limpo sou aos teus olhos.
5 - Mas, na verdade, oxalá que Deus falasse e abrisse os seus lábios contra ti,
6 - e te fizesse saber os segredos da sabedoria, pois é multiforme o seu entendimento; sabe, pois, que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniqüidade.
7 - Poderás descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso?
8 - Como as alturas do céu é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o Seol; que poderás tu saber?
9 - Mais comprida é a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar.
10 - Se ele passar e prender alguém, e chamar a juízo, quem o poderá impedir?
11 - Pois ele conhece os homens vãos; e quando vê a iniqüidade, não atentará para ela?
12 - Mas o homem vão adquirirá entendimento, quando a cria do asno montês nascer homem.
13 - Se tu preparares o teu coração, e estenderes as mãos para ele;
14 - se há iniqüidade na tua mão, lança-a para longe de ti, e não deixes a perversidade habitar nas tuas tendas;
15 - então levantarás o teu rosto sem mácula, e estarás firme, e não temerás.
16 - Pois tu te esquecerás da tua miséria; apenas te lembrarás dela como das águas que já passaram.
17 - E a tua vida será mais clara do que o meio-dia; a escuridão dela será como a alva.
18 - E terás confiança, porque haverá esperança; olharás ao redor de ti e repousarás seguro.
19 - Deitar-te-ás, e ninguém te amedrontará; muitos procurarão obter o teu favor.
20 - Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e para eles não haverá refúgio; a sua esperança será o expirar.
Capítulo - 12
1 - Então Jó respondeu, dizendo:
2 - Sem dúvida vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria.
3 - Mas eu tenho entendimento como, vos; eu não vos sou inferior. Quem não sabe tais coisas como essas?
4 - Sou motivo de riso para os meus amigos; eu, que invocava a Deus, e ele me respondia: o justo e reto servindo de irrisão!
5 - No pensamento de quem está seguro há desprezo para a desgraça; ela está preparada para aquele cujos pés resvalam.
6 - As tendas dos assoladores têm descanso, e os que provocam a Deus estão seguros; os que trazem o seu deus na mão!
7 - Mas, pergunta agora às alimárias, e elas te ensinarão; e às aves do céu, e elas te farão saber;
8 - ou fala com a terra, e ela te ensinará; até os peixes o mar to declararão.
9 - Qual dentre todas estas coisas não sabe que a mão do Senhor fez isto?
10 - Na sua mão está a vida de todo ser vivente, e o espírito de todo o gênero humano.
11 - Porventura o ouvido não prova as palavras, como o paladar prova o alimento?
12 - Com os anciãos está a sabedoria, e na longura de dias o entendimento.
13 - Com Deus está a sabedoria e a força; ele tem conselho e entendimento.
14 - Eis que ele derriba, e não se pode reedificar; ele encerra na prisão, e não se pode abrir.
15 - Ele retém as águas, e elas secam; solta-as, e elas inundam a terra.
16 - Com ele está a força e a sabedoria; são dele o enganado e o enganador.
17 - Aos conselheiros leva despojados, e aos juízes faz desvairar.
18 - Solta o cinto dos reis, e lhes ata uma corda aos lombos.
19 - Aos sacerdotes leva despojados, e aos poderosos transtorna.
20 - Aos que são dignos da confiança emudece, e tira aos anciãos o discernimento.
21 - Derrama desprezo sobre os príncipes, e afrouxa o cinto dos fortes.
22 - Das trevas descobre coisas profundas, e traz para a luz a sombra da morte.
23 - Multiplica as nações e as faz perecer; alarga as fronteiras das nações, e as leva cativas.
24 - Tira o entendimento aos chefes do povo da terra, e os faz vaguear pelos desertos, sem caminho.
25 - Eles andam nas trevas às apalpadelas, sem luz, e ele os faz cambalear como um ébrio.
Capítulo - 13
1 - Eis que os meus olhos viram tudo isto, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam.
2 - O que vós sabeis também eu o sei; não vos sou inferior.
3 - Mas eu falarei ao Todo-Poderoso, e quero defender-me perante Deus.
4 - Vós, porém, sois forjadores de mentiras, e vós todos, médicos que não valem nada.
5 - Oxalá vos calásseis de todo, pois assim passaríeis por sábios.
6 - Ouvi agora a minha defesa, e escutai os argumentos dos meus lábios.
7 - Falareis falsamente por Deus, e por ele proferireis mentiras?
8 - Fareis aceitação da sua pessoa? Contendereis a favor de Deus?
9 - Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como quem zomba de um homem?
10 - Certamente vos repreenderá, se em oculto vos deixardes levar de respeitos humanos.
11 - Não vos amedrontará a sua majestade? E não cairá sobre vós o seu terror?
12 - As vossas máximas são provérbios de cinza; as vossas defesas são torres de barro.
13 - Calai-vos perante mim, para que eu fale, e venha sobre mim o que vier.
14 - Tomarei a minha carne entre os meus dentes, e porei a minha vida na minha mão.
15 - Eis que ele me matará; não tenho esperança; contudo defenderei os meus caminhos diante dele.
16 - Também isso será a minha salvação, pois o ímpio não virá perante ele.
17 - Ouvi atentamente as minhas palavras, e chegue aos vossos ouvidos a minha declaração.
18 - Eis que já pus em ordem a minha causa, e sei que serei achado justo:
19 - Quem é o que contenderá comigo? Pois então me calaria e renderia o espírito.
20 - Concede-me somente duas coisas; então não me esconderei do teu rosto:
21 - desvia a tua mão rara longe de mim, e não me amedronte o teu terror.
22 - Então chama tu, e eu responderei; ou eu falarei, e me responde tu.
23 - Quantas iniqüidades e pecados tenho eu? Faze-me saber a minha transgressão e o meu pecado.
24 - Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu inimigo?
25 - Acossarás uma folha arrebatada pelo vento? E perseguirás o restolho seco?
26 - Pois escreves contra mim coisas amargas, e me fazes herdar os erros da minha mocidade;
27 - também pões no tronco os meus pés, e observas todos os meus caminhos, e marcas um termo ao redor dos meus pés,
28 - apesar de eu ser como uma coisa podre que se consome, e como um vestido, ao qual rói a traça.
Capítulo - 14
1 - O homem, nascido da mulher, é de poucos dias e cheio de inquietação.
2 - Nasce como a flor, e murcha; foge também como a sombra, e não permanece.
3 - Sobre esse tal abres os teus olhos, e a mim me fazes entrar em juízo contigo?
4 - Quem do imundo tirará o puro? Ninguém.
5 - Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; tu lhe puseste limites, e ele não poderá passar além deles.
6 - Desvia dele o teu rosto, para que ele descanse e, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia.
7 - Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que não cessem os seus renovos.
8 - Ainda que envelheça a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no pó,
9 - contudo ao cheiro das águas brotará, e lançará ramos como uma planta nova.
10 - O homem, porém, morre e se desfaz; sim, rende o homem o espírito, e então onde está?
11 - Como as águas se retiram de um lago, e um rio se esgota e seca,
12 - assim o homem se deita, e não se levanta; até que não haja mais céus não acordará nem será despertado de seu sono.
13 - Oxalá me escondesses no Seol, e me ocultasses até que a tua ira tenha passado; que me determinasses um tempo, e te lembrasses de mim!
14 - Morrendo o homem, acaso tornará a viver? Todos os dias da minha lida esperaria eu, até que viesse a minha mudança.
15 - Chamar-me-ias, e eu te responderia; almejarias a obra de tuas mãos.
16 - Então contarias os meus passos; não estarias a vigiar sobre o meu pecado;
17 - a minha transgressão estaria selada num saco, e ocultarias a minha iniqüidade.
18 - Mas, na verdade, a montanha cai e se desfaz, e a rocha se remove do seu lugar.
19 - As águas gastam as pedras; as enchentes arrebatam o solo; assim tu fazes perecer a esperança do homem.
20 - Prevaleces para sempre contra ele, e ele passa; mudas o seu rosto e o despedes.
21 - Os seus filhos recebem honras, sem que ele o saiba; são humilhados sem que ele o perceba.
22 - Sente as dores do seu próprio corpo somente, e só por si mesmo lamenta.
Capítulo - 15
1 - Então respondeu Elifaz, o temanita:
2 - Porventura responderá o sábio com ciência de vento? E encherá do vento oriental o seu ventre,
3 - argüindo com palavras que de nada servem, ou com razões com que ele nada aproveita?
4 - Na verdade tu destróis a reverência, e impedes a meditação diante de Deus.
5 - Pois a tua iniqüidade ensina a tua boca, e escolhes a língua dos astutos.
6 - A tua própria boca te condena, e não eu; e os teus lábios testificam contra ti.
7 - És tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado à luz antes dos outeiros?
8 - Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti só reservas a sabedoria?
9 - Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes, que não haja em nós?
10 - Conosco estão os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai.
11 - Porventura fazes pouco caso das consolações de Deus, ou da palavra que te trata benignamente?
12 - Por que te arrebata o teu coração, e por que flamejam os teus olhos,
13 - de modo que voltas contra Deus o teu espírito, e deixas sair tais palavras da tua boca?
14 - Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo?
15 - Eis que Deus não confia nos seus santos, e nem o céu é puro aos seus olhos;
16 - quanto menos o homem abominável e corrupto, que bebe a iniqüidade como a água?
17 - Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que tenho visto
18 - {o que os sábios têm anunciado e seus pais não o ocultaram;
19 - aos quais somente era dada a terra, não havendo estranho algum passado por entre eles};
20 - Todos os dias passa o ímpio em angústia, sim, todos os anos que estão reservados para o opressor.
21 - O sonido de terrores está nos seus ouvidos; na prosperidade lhe sobrevém o assolador.
22 - Ele não crê que tornará das trevas, mas que o espera a espada.
23 - Anda vagueando em busca de pão, dizendo: Onde está? Bem sabe que o dia das trevas lhe está perto, à mão.
24 - Amedrontam-no a angústia e a tribulação; prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja.
25 - Porque estendeu a sua mão contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se porta com soberba;
26 - arremete contra ele com dura cerviz, e com as saliências do seu escudo;
27 - porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou carne gorda nas ilhargas;
28 - e habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguém deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montões de ruínas;
29 - não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda, nem se estenderão pela terra as suas possessões.
30 - Não escapará das trevas; a chama do fogo secará os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecerá.
31 - Não confie na vaidade, enganando-se a si mesmo; pois a vaidade será a sua recompensa.
32 - Antes do seu dia se cumprirá, e o seu ramo não reverdecerá.
33 - Sacudirá as suas uvas verdes, como a vide, e deixará cair a sua flor como a oliveira.
34 - Pois a assembléia dos ímpios é estéril, e o fogo consumirá as tendas do suborno.
35 - Concebem a malícia, e dão à luz a iniqüidade, e o seu coração prepara enganos.
Capítulo - 16
1 - Então Jó respondeu, dizendo:
2 - Tenho ouvido muitas coisas como essas; todos vós sois consoladores molestos.
3 - Não terão fim essas palavras de vento? Ou que é o que te provoca, para assim responderes?
4 - Eu também poderia falar como vós falais, se vós estivésseis em meu lugar; eu poderia amontoar palavras contra vós, e contra vós menear a minha cabeça;
5 - poderia fortalecer-vos com a minha boca, e a consolação dos meus lábios poderia mitigar a vossa dor.
6 - Ainda que eu fale, a minha dor não se mitiga; e embora me cale, qual é o meu alívio?
7 - Mas agora, ó Deus, me deixaste exausto; assolaste toda a minha companhia.
8 - Tu me emagreceste, e isso constitui uma testemunha contra mim; contra mim se levanta a minha magreza, e o meu rosto testifica contra mim.
9 - Na sua ira ele me despedaçou, e me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; o meu adversário aguça os seus olhos contra mim.
10 - Os homens abrem contra mim a boca; com desprezo me ferem nas faces, e contra mim se ajuntam à uma.
11 - Deus me entrega ao ímpio, nas mãos dos iníquos me faz cair.
12 - Descansado estava eu, e ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoço, e me despedaçou; colocou-me por seu alvo;
13 - cercam-me os seus flecheiros. Atravessa-me os rins, e não me poupa; derrama o meu fel pela terra.
14 - Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um guerreiro.
15 - Sobre a minha pele cosi saco, e deitei a minha glória no pó.
16 - O meu rosto todo está inflamado de chorar, e há sombras escuras sobre as minhas pálpebras,
17 - embora não haja violência nas minhas mãos, e seja pura a minha oração.
18 - Ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que seja abafado o meu clamor!
19 - Eis que agora mesmo a minha testemunha está no céu, e o meu fiador nas alturas.
20 - Os meus amigos zombam de mim; mas os meus olhos se desfazem em lágrimas diante de Deus,
21 - para que ele defenda o direito que o homem tem diante de Deus e o que o filho do homem tem perante, o seu próximo.
22 - Pois quando houver decorrido poucos anos, eu seguirei o caminho por onde não tornarei.
Capítulo - 17
1 - O meu espírito está quebrantado, os meus dias se extinguem, a sepultura me está preparada!
2 - Deveras estou cercado de zombadores, e os meus olhos contemplam a sua provocação!
3 - Dá-me, peço-te, um penhor, e sê o meu fiador para contigo; quem mais há que me dê a mão?
4 - Porque aos seus corações encobriste o entendimento, pelo que não os exaltarás.
5 - Quem entrega os seus amigos como presa, os olhos de seus filhos desfalecerão.
6 - Mas a mim me pôs por motejo dos povos; tornei-me como aquele em cujo rosto se cospe.
7 - De mágoa se escureceram os meus olhos, e todos os meus membros são como a sombra.
8 - Os retos pasmam disso, e o inocente se levanta contra o ímpio.
9 - Contudo o justo prossegue no seu caminho e o que tem mãos puras vai crescendo em força.
10 - Mas tornai vós todos, e vinde, e sábio nenhum acharei entre vós.
11 - Os meus dias passaram, malograram-se os meus propósitos, as aspirações do meu coração.
12 - Trocam a noite em dia; dizem que a luz está perto das trevas.
13 - Se eu olhar o Seol como a minha casa, se nas trevas estender a minha cama,
14 - se eu clamar à cova: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã;
15 - onde está então a minha esperança? Sim, a minha esperança, quem a poderá ver?
16 - Acaso descerá comigo até os ferrolhos do Seol? Descansaremos juntos no pó?
Capítulo - 18
1 - Então respondeu Bildade, o suíta:
2 - Até quando estareis à procura de palavras? considerai bem, e então falaremos.
3 - Por que somos tratados como gado, e como estultos aos vossos olhos?
4 - Oh tu, que te despedaças na tua ira, acaso por amor de ti será abandonada a terra, ou será a rocha removida do seu lugar?
5 - Na verdade, a luz do ímpio se apagará, e não resplandecerá a chama do seu fogo.
6 - A luz se escurecerá na sua tenda, e a lâmpada que está sobre ele se apagará.
7 - Os seus passos firmes se estreitarão, e o seu próprio conselho o derribará.
8 - Pois por seus próprios pés é ele lançado na rede, e pisa nos laços armados.
9 - A armadilha o apanha pelo calcanhar, e o laço o prende;
10 - a corda do mesmo está-lhe escondida na terra, e uma armadilha na vereda.
11 - Terrores o amedrontam de todos os lados, e de perto lhe perseguem os pés.
12 - O seu vigor é diminuído pela fome, e a destruição está pronta ao seu lado.
13 - São devorados os membros do seu corpo; sim, o primogênito da morte devora os seus membros.
14 - Arrancado da sua tenda, em que confiava, é levado ao rei dos terrores.
15 - Na sua tenda habita o que não lhe pertence; espalha-se enxofre sobre a sua habitação.
16 - Por baixo se secam as suas raízes, e por cima são cortados os seus ramos.
17 - A sua memória perece da terra, e pelas praças não tem nome.
18 - É lançado da luz para as trevas, e afugentado do mundo.
19 - Não tem filho nem neto entre o seu povo, e descendente nenhum lhe ficará nas moradas.
20 - Do seu dia pasmam os do ocidente, assim como os do oriente ficam sobressaltados de horror.
21 - Tais são, na verdade, as moradas do, ímpio, e tal é o lugar daquele que não conhece a Deus.
Capítulo - 19
1 - Então Jó respondeu:
2 - Até quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com palavras?
3 - Já dez vezes me haveis humilhado; não vos envergonhais de me maltratardes?
4 - Embora haja eu, na verdade, errado, comigo fica o meu erro.
5 - Se deveras vos quereis engrandecer contra mim, e me incriminar pelo meu opróbrio,
6 - sabei então que Deus é o que transtornou a minha causa, e com a sua rede me cercou.
7 - Eis que clamo: Violência! mas não sou ouvido; grito: Socorro! mas não há justiça.
8 - com muros fechou ele o meu caminho, de modo que não posso passar; e pôs trevas nas minhas veredas.
9 - Da minha honra me despojou, e tirou-me da cabeça a coroa.
10 - Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; arrancou a minha esperança, como a, uma árvore.
11 - Acende contra mim a sua ira, e me considera como um de seus adversários.
12 - Juntas as suas tropas avançam, levantam contra mim o seu caminho, e se acampam ao redor da minha tenda.
13 - Ele pôs longe de mim os meus irmãos, e os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim.
14 - Os meus parentes se afastam, e os meus conhecidos se esquecem de, mim.
15 - Os meus domésticos e as minhas servas me têm por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos.
16 - Chamo ao meu criado, e ele não me responde; tenho que suplicar-lhe com a minha boca.
17 - O meu hálito é intolerável à minha mulher; sou repugnante aos filhos de minha mãe.
18 - Até os pequeninos me desprezam; quando me levanto, falam contra mim.
19 - Todos os meus amigos íntimos me abominam, e até os que eu amava se tornaram contra mim.
20 - Os meus ossos se apegam à minha pele e à minha carne, e só escapei com a pele dos meus dentes.
21 - Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mão de Deus me tocou.
22 - Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne não vos fartais?
23 - Oxalá que as minhas palavras fossem escritas! Oxalá que fossem gravadas num livro!
24 - Que, com pena de ferro, e com chumbo, fossem para sempre esculpidas na rocha!
25 - Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra.
26 - E depois de consumida esta minha pele, então fora da minha carne verei a Deus;
27 - vê-lo-ei ao meu lado, e os meus olhos o contemplarão, e não mais como adversário. O meu coração desfalece dentro de mim!
28 - Se disserdes: Como o havemos de perseguir! e que a causa deste mal se acha em mim,
29 - temei vós a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que há um juízo.
Capítulo - 20
1 - Então respondeu Zofar, o naamatita:
2 - Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso.
3 - Estou ouvindo a tua repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responde por mim.
4 - Não sabes tu que desde a antigüidade, desde que o homem foi posto sobre a terra,
5 - o triunfo dos iníquos é breve, e a alegria dos ímpios é apenas dum momento?
6 - Ainda que a sua exaltação suba até o céu, e a sua cabeça chegue até as nuvens,
7 - contudo, como o seu próprio esterco, perecerá para sempre; e os que o viam perguntarão: Onde está?
8 - Dissipar-se-á como um sonho, e não será achado; será afugentado qual uma visão da noite.
9 - Os olhos que o viam não o verão mais, nem o seu lugar o contemplará mais.
10 - Os seus filhos procurarão o favor dos pobres, e as suas mãos restituirão os seus lucros ilícitos.
11 - Os seus ossos estão cheios do vigor da sua juventude, mas este se deitará com ele no pó.
12 - Ainda que o mal lhe seja doce na boca, ainda que ele o esconda debaixo da sua língua,
13 - ainda que não o queira largar, antes o retenha na sua boca,
14 - contudo a sua comida se transforma nas suas entranhas; dentro dele se torna em fel de áspides.
15 - Engoliu riquezas, mas vomitá-las-á; do ventre dele Deus as lançará.
16 - Veneno de áspides sorverá, língua de víbora o matará.
17 - Não verá as correntes, os rios e os ribeiros de mel e de manteiga.
18 - O que adquiriu pelo trabalho, isso restituirá, e não o engolirá; não se regozijará conforme a fazenda que ajuntou.
19 - Pois que oprimiu e desamparou os pobres, e roubou a casa que não edificou.
20 - Porquanto não houve limite à sua cobiça, nada salvará daquilo em que se deleita.
21 - Nada escapou à sua voracidade; pelo que a sua prosperidade não perdurará.
22 - Na plenitude da sua abastança, estará angustiado; toda a força da miséria virá sobre ele.
23 - Mesmo estando ele a encher o seu estômago, Deus mandará sobre ele o ardor da sua ira, que fará chover sobre ele quando for comer.
24 - Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de bronze o atravessará.
25 - Ele arranca do seu corpo a flecha, que sai resplandecente do seu fel; terrores vêm sobre ele.
26 - Todas as trevas são reservadas paro os seus tesouros; um fogo não assoprado o consumirá, e devorará o que ficar na sua tenda.
27 - Os céus revelarão a sua iniqüidade, e contra ele a terra se levantará.
28 - As rendas de sua casa ir-se-ão; no dia da ira de Deus todas se derramarão.
29 - Esta, da parte de Deus, é a porção do ímpio; esta é a herança que Deus lhe reserva.
Capítulo - 21
1 - Então Jó respondeu:
2 - Ouvi atentamente as minhas palavras; seja isto a vossa consolação.
3 - Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai.
4 - É porventura do homem que eu me queixo? Mas, ainda que assim fosse, não teria motivo de me impacientar?
5 - Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mão sobre a boca.
6 - Quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne estremece de horror.
7 - Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder?
8 - Os seus filhos se estabelecem à vista deles, e os seus descendentes perante os seus olhos.
9 - As suas casas estão em paz, sem temor, e a vara de Deus não está sobre eles.
10 - O seu touro gera, e não falha; pare a sua vaca, e não aborta.
11 - Eles fazem sair os seus pequeninos, como a um rebanho, e suas crianças andam saltando.
12 - Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e regozijam-se ao som da flauta.
13 - Na prosperidade passam os seus dias, e num momento descem ao Seol.
14 - Eles dizem a Deus: retira-te de nós, pois não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos.
15 - Que é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará, se lhe fizermos orações?
16 - Vede, porém, que eles não têm na mão a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!
17 - Quantas vezes sucede que se apague a lâmpada dos ímpios? que lhes sobrevenha a sua destruição? que Deus na sua ira lhes reparta dores?
18 - que eles sejam como a palha diante do vento, e como a pragana, que o redemoinho arrebata?
19 - Deus, dizeis vós, reserva a iniqüidade do pai para seus filhos, mas é a ele mesmo que Deus deveria punir, para que o conheça.
20 - Vejam os seus próprios olhos a sua ruína, e beba ele do furor do Todo-Poderoso.
21 - Pois, que lhe importa a sua casa depois de morto, quando lhe for cortado o número dos seus meses?
22 - Acaso se ensinará ciência a Deus, a ele que julga os excelsos?
23 - Um morre em plena prosperidade, inteiramente sossegado e tranqüilo;
24 - com os seus baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida.
25 - Outro, ao contrário, morre em amargura de alma, não havendo provado do bem.
26 - Juntamente jazem no pó, e os vermes os cobrem.
27 - Eis que conheço os vossos pensamentos, e os maus intentos com que me fazeis injustiça.
28 - Pois dizeis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que morava o ímpio?
29 - Porventura não perguntastes aos viandantes? e não aceitais o seu testemunho,
30 - de que o mau é preservado no dia da destruição, e poupado no dia do furor?
31 - Quem acusará diante dele o seu caminho? e quem lhe dará o pago do que fez?
32 - Ele é levado para a sepultura, e vigiam-lhe o túmulo.
33 - Os torrões do vale lhe são doces, e o seguirão todos os homens, como ele o fez aos inumeráveis que o precederam.
34 - Como, pois, me ofereceis consolações vãs, quando nas vossas respostas só resta falsidade?
Capítulo - 22
1 - Então respondeu Elifaz, o temanita:
2 - Pode o homem ser de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo é que o prudente será proveitoso.
3 - Tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro em que tu faças perfeitos os teus caminhos?
4 - É por causa da tua reverência que te repreende, ou que entra contigo em juízo?
5 - Não é grande a tua malícia, e sem termo as tuas iniqüidades?
6 - Pois sem causa tomaste penhores a teus irmãos e aos nus despojaste dos vestidos.
7 - Não deste ao cansado água a beber, e ao faminto retiveste o pão.
8 - Mas ao poderoso pertencia a terra, e o homem acatado habitava nela.
9 - Despediste vazias as viúvas, e os braços dos órfãos foram quebrados.
10 - Por isso é que estás cercado de laços, e te perturba um pavor repentino,
11 - ou trevas de modo que nada podes ver, e a inundação de águas te cobre.
12 - Não está Deus na altura do céu? Olha para as mais altas estrelas, quão elevadas estão!
13 - E dizes: Que sabe Deus? Pode ele julgar através da escuridão?
14 - Grossas nuvens o encobrem, de modo que não pode ver; e ele passeia em volta da abóbada do céu.
15 - Queres seguir a vereda antiga, que pisaram os homens iníquos?
16 - Os quais foram arrebatados antes do seu tempo; e o seu fundamento se derramou qual um rio.
17 - Diziam a Deus: retira-te de nós; e ainda: Que é que o Todo-Poderoso nos pode fazer?
18 - Contudo ele encheu de bens as suas casas. Mas longe de mim estejam os conselhos dos ímpios!
19 - Os justos o vêem, e se alegram: e os inocentes escarnecem deles,
20 - dizendo: Na verdade são exterminados os nossos adversários, e o fogo consumiu o que deixaram.
21 - Apega-te, pois, a Deus, e tem paz, e assim te sobrevirá o bem.
22 - Aceita, peço-te, a lei da sua boca, e põe as suas palavras no teu coração.
23 - Se te voltares para o Todo-Poderoso, serás edificado; se lançares a iniqüidade longe da tua tenda,
24 - e deitares o teu tesouro no pó, e o ouro de Ofir entre as pedras dos ribeiros,
25 - então o Todo-Poderoso será o teu tesouro, e a tua prata preciosa.
26 - Pois então te deleitarás no Todo-Poderoso, e levantarás o teu rosto para Deus.
27 - Tu orarás a ele, e ele te ouvirá; e pagarás os teus votos.
28 - Também determinarás algum negócio, e ser-te-á firme, e a luz brilhará em teus caminhos.
29 - Quando te abaterem, dirás: haja exaltação! E Deus salvará ao humilde.
30 - E livrará até o que não é inocente, que será libertado pela pureza de tuas mãos.
Capítulo - 23
1 - Então Jó respondeu:
2 - Ainda hoje a minha queixa está em amargura; o peso da mão dele é maior do que o meu gemido.
3 - Ah, se eu soubesse onde encontrá-lo, e pudesse chegar ao seu tribunal!
4 - Exporia ante ele a minha causa, e encheria a minha boca de argumentos.
5 - Saberia as palavras com que ele me respondesse, e entenderia o que me dissesse.
6 - Acaso contenderia ele comigo segundo a grandeza do seu poder? Não; antes ele me daria ouvidos.
7 - Ali o reto pleitearia com ele, e eu seria absolvido para sempre por meu Juiz.
8 - Eis que vou adiante, mas não está ali; volto para trás, e não o percebo;
9 - procuro-o à esquerda, onde ele opera, mas não o vejo; viro-me para a direita, e não o diviso.
10 - Mas ele sabe o caminho por que eu ando; provando-me ele, sairei como o ouro.
11 - Os meus pés se mantiveram nas suas pisadas; guardei o seu caminho, e não me desviei dele.
12 - Nunca me apartei do preceito dos seus lábios, e escondi no meu peito as palavras da sua boca.
13 - Mas ele está resolvido; quem então pode desviá-lo? E o que ele quiser, isso fará.
14 - Pois cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo.
15 - Por isso me perturbo diante dele; e quando considero, tenho medo dele.
16 - Deus macerou o meu coração; o Todo-Poderoso me perturbou.
17 - Pois não estou desfalecido por causa das trevas, nem porque a escuridão cobre o meu rosto.
Capítulo - 24
1 - Por que o Todo-Poderoso não designa tempos? e por que os que o conhecem não vêem os seus dias?
2 - Há os que removem os limites; roubam os rebanhos, e os apascentam.
3 - Levam o jumento do órfão, tomam em penhor o boi da viúva.
4 - Desviam do caminho os necessitados; e os oprimidos da terra juntos se escondem.
5 - Eis que, como jumentos monteses no deserto, saem eles ao seu trabalho, procurando no ermo a presa que lhes sirva de sustento para seus filhos.
6 - No campo segam o seu pasto, e vindimam a vinha do ímpio.
7 - Passam a noite nus, sem roupa, não tendo coberta contra o frio.
8 - Pelas chuvas das montanhas são molhados e, por falta de abrigo, abraçam-se com as rochas.
9 - Há os que arrancam do peito o órfão, e tomam o penhor do pobre;
10 - fazem que estes andem nus, sem roupa, e, embora famintos, carreguem os molhos.
11 - Espremem o azeite dentro dos muros daqueles homens; pisam os seus lagares, e ainda têm sede.
12 - Dentro das cidades gemem os moribundos, e a alma dos feridos clama; e contudo Deus não considera o seu clamor.
13 - Há os que se revoltam contra a luz; não conhecem os caminhos dela, e não permanecem nas suas veredas.
14 - O homicida se levanta de madrugada, mata o pobre e o necessitado, e de noite torna-se ladrão.
15 - Também os olhos do adúltero aguardam o crepúsculo, dizendo: Ninguém me verá; e disfarça o rosto.
16 - Nas trevas minam as casas; de dia se conservam encerrados; não conhecem a luz.
17 - Pois para eles a profunda escuridão é a sua manhã; porque são amigos das trevas espessas.
18 - São levados ligeiramente sobre a face das águas; maldita é a sua porção sobre a terra; não tornam pelo caminho das vinhas.
19 - A sequidão e o calor desfazem as, águas da neve; assim faz o Seol aos que pecaram.
20 - A madre se esquecerá dele; os vermes o comerão gostosamente; não será mais lembrado; e a iniqüidade se quebrará como árvore.
21 - Ele despoja a estéril que não dá à luz, e não faz bem à viúva.
22 - Todavia Deus prolonga a vida dos valentes com a sua força; levantam-se quando haviam desesperado da vida.
23 - Se ele lhes dá descanso, estribam-se, nisso; e os seus olhos estão sobre os caminhos deles.
24 - Eles se exaltam, mas logo desaparecem; são abatidos, colhidos como os demais, e cortados como as espigas do trigo.
25 - Se não é assim, quem me desmentirá e desfará as minhas palavras?
Capítulo - 25
1 - Então respondeu Bildade, o suíta:
2 - Com Deus estão domínio e temor; ele faz reinar a paz nas suas alturas.
3 - Acaso têm número os seus exércitos? E sobre quem não se levanta a sua luz?
4 - Como, pois, pode o homem ser justo diante de Deus, e como pode ser puro aquele que nasce da mulher?
5 - Eis que até a lua não tem brilho, e as estrelas não são puras aos olhos dele;
6 - quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um vermezinho!
Capítulo - 26
1 - Então Jó respondeu:
2 - Como tens ajudado ao que não tem força e sustentado o braço que não tem vigor!
3 - como tens aconselhado ao que não tem sabedoria, e plenamente tens revelado o verdadeiro conhecimento!
4 - Para quem proferiste palavras? E de quem é o espírito que saiu de ti?
5 - Os mortos tremem debaixo das águas, com os que ali habitam.
6 - O Seol está nu perante Deus, e não há coberta para o Abadom.
7 - Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada.
8 - Prende as águas em suas densas nuvens, e a nuvem não se rasga debaixo delas.
9 - Encobre a face do seu trono, e sobre ele estende a sua nuvem.
10 - Marcou um limite circular sobre a superfície das águas, onde a luz e as trevas se confinam.
11 - As colunas do céu tremem, e se espantam da sua ameaça.
12 - Com o seu poder fez sossegar o mar, e com o seu entendimento abateu a Raabe.
13 - Pelo seu sopro ornou o céu; a sua mão traspassou a serpente veloz.
14 - Eis que essas coisas são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pequeno é o sussurro que dele, ouvimos! Mas o trovão do seu poder, quem o poderá entender?
Capítulo - 27
1 - E prosseguindo Jó em seu discurso, disse:
2 - Vive Deus, que me tirou o direito, e o Todo-Poderoso, que me amargurou a alma;
3 - enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz,
4 - não falarão os meus lábios iniqüidade, nem a minha língua pronunciará engano.
5 - Longe de mim que eu vos dê razão; até que eu morra, nunca apartarei de mim a minha integridade.
6 - À minha justiça me apegarei e não a largarei; o meu coração não reprova dia algum da minha vida.
7 - Seja como o ímpio o meu inimigo, e como o perverso aquele que se levantar contra mim.
8 - Pois qual é a esperança do ímpio, quando Deus o cortar, quando Deus lhe arrebatar a alma?
9 - Acaso Deus lhe ouvirá o clamor, sobrevindo-lhe a tribulação?
10 - Deleitar-se-á no Todo-Poderoso, ou invocará a Deus em todo o tempo?
11 - Ensinar-vos-ei acerca do poder de Deus, e não vos encobrirei o que está com o Todo-Poderoso.
12 - Eis que todos vós já vistes isso; por que, pois, vos entregais completamente à vaidade?
13 - Esta é da parte de Deus a porção do ímpio, e a herança que os opressores recebem do Todo-Poderoso:
14 - Se os seus filhos se multiplicarem, será para a espada; e a sua prole não se fartará de pão.
15 - Os que ficarem dele, pela peste serão sepultados, e as suas viúvas não chorarão.
16 - Embora amontoe prata como pó, e acumule vestes como barro,
17 - ele as pode acumular, mas o justo as vestirá, e o inocente repartirá a prata.
18 - A casa que ele edifica é como a teia da aranha, e como a cabana que o guarda faz.
19 - Rico se deita, mas não o fará mais; abre os seus olhos, e já se foi a sua riqueza.
20 - Pavores o alcançam como um dilúvio; de noite o arrebata a tempestade.
21 - O vento oriental leva-o, e ele se vai; sim, varre-o com ímpeto do seu lugar:
22 - Pois atira contra ele, e não o poupa, e ele foge precipitadamente do seu poder.
23 - Bate palmas contra ele, e assobia contra ele do seu lugar.
Capítulo - 28
1 - Na verdade, há minas donde se extrai a prata, e também lugar onde se refina o ouro:
2 - O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre.
3 - Os homens põem termo às trevas, e até os últimos confins exploram as pedras na escuridão e nas trevas mais densas.
4 - Abrem um poço de mina longe do lugar onde habitam; são esquecidos pelos viajantes, ficando pendentes longe dos homens, e oscilam de um lado para o outro.
5 - Quanto à terra, dela procede o pão, mas por baixo é revolvida como por fogo.
6 - As suas pedras são o lugar de safiras, e têm pó de ouro.
7 - A ave de rapina não conhece essa vereda, e não a viram os olhos do falcão.
8 - Nunca a pisaram feras altivas, nem o feroz leão passou por ela.
9 - O homem estende a mão contra a pederneira, e revolve os montes desde as suas raízes.
10 - Corta canais nas pedras, e os seus olhos descobrem todas as coisas preciosas.
11 - Ele tapa os veios d'água para que não gotejem; e tira para a luz o que estava escondido.
12 - Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento?
13 - O homem não lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes.
14 - O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo.
15 - Não pode ser comprada com ouro fino, nem a peso de prata se trocará.
16 - Nem se pode avaliar em ouro fino de Ofir, nem em pedras preciosas de berilo, ou safira.
17 - Com ela não se pode comparar o ouro ou o vidro; nem se trocara por jóias de ouro fino.
18 - Não se fará menção de coral nem de cristal; porque a aquisição da sabedoria é melhor que a das pérolas.
19 - Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode comprar por ouro puro.
20 - Donde, pois, vem a sabedoria? Onde está o lugar do entendimento?
21 - Está encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta às aves do céu.
22 - O Abadom e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela.
23 - Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar.
24 - Porque ele perscruta até as extremidades da terra, sim, ele vê tudo o que há debaixo do céu.
25 - Quando regulou o peso do vento, e fixou a medida das águas;
26 - quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões;
27 - então viu a sabedoria e a manifestou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.
28 - E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento.
Capítulo - 29
1 - E prosseguindo Jó no seu discurso, disse:
2 - Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses do passado, como nos dias em que Deus me guardava;
3 - quando a sua lâmpada luzia sobre o minha cabeça, e eu com a sua luz caminhava através das trevas;
4 - como era nos dias do meu vigor, quando o íntimo favor de Deus estava sobre a minha tenda;
5 - quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim;
6 - quando os meus passos eram banhados em leite, e a rocha me deitava ribeiros de azeite!
7 - Quando eu saía para a porta da cidade, e na praça preparava a minha cadeira,
8 - os moços me viam e se escondiam, e os idosos se levantavam e se punham em pé;
9 - os príncipes continham as suas palavras, e punham a mão sobre a sua boca;
10 - a voz dos nobres emudecia, e a língua se lhes pegava ao paladar.
11 - Pois, ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; e vendo-me algum olho, dava testemunho de mim;
12 - porque eu livrava o miserável que clamava, e o órfão que não tinha quem o socorresse.
13 - A bênção do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu fazia rejubilar-se o coração da viúva.
14 - vestia-me da retidão, e ela se vestia de mim; como manto e diadema era a minha justiça.
15 - Fazia-me olhos para o cego, e pés para o coxo;
16 - dos necessitados era pai, e a causa do que me era desconhecido examinava com diligência.
17 - E quebrava os caninos do perverso, e arrancava-lhe a presa dentre os dentes.
18 - Então dizia eu: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia;
19 - as minhas raízes se estendem até as águas, e o orvalho fica a noite toda sobre os meus ramos;
20 - a minha honra se renova em mim, e o meu arco se revigora na minha mão.
21 - A mim me ouviam e esperavam, e em silêncio atendiam ao meu conselho.
22 - Depois de eu falar, nada replicavam, e minha palavra destilava sobre eles;
23 - esperavam-me como à chuva; e abriam a sua boca como à chuva tardia.
24 - Eu lhes sorria quando não tinham confiança; e não desprezavam a luz do meu rosto;
25 - eu lhes escolhia o caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas tropas, como aquele que consola os aflitos.
Capítulo - 30
1 - Mas agora zombam de mim os de menos idade do que eu, cujos pais teria eu desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.
2 - Pois de que me serviria a força das suas mãos, homens nos quais já pereceu o vigor?
3 - De míngua e fome emagrecem; andam roendo pelo deserto, lugar de ruínas e desolação.
4 - Apanham malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento são as raízes dos zimbros.
5 - São expulsos do meio dos homens, que gritam atrás deles, como atrás de um ladrão.
6 - Têm que habitar nos desfiladeiros sombrios, nas cavernas da terra e dos penhascos.
7 - Bramam entre os arbustos, ajuntam-se debaixo das urtigas.
8 - São filhos de insensatos, filhos de gente sem nome; da terra foram enxotados.
9 - Mas agora vim a ser a sua canção, e lhes sirvo de provérbio.
10 - Eles me abominam, afastam-se de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir.
11 - Porquanto Deus desatou a minha corda e me humilhou, eles sacudiram de si o freio perante o meu rosto.
12 - À direita levanta-se gente vil; empurram os meus pés, e contra mim erigem os seus caminhos de destruição.
13 - Estragam a minha vereda, promovem a minha calamidade; não há quem os detenha.
14 - Vêm como por uma grande brecha, por entre as ruínas se precipitam.
15 - Sobrevieram-me pavores; é perseguida a minha honra como pelo vento; e como nuvem passou a minha felicidade.
16 - E agora dentro de mim se derrama a minha alma; os dias da aflição se apoderaram de mim.
17 - De noite me são traspassados os ossos, e o mal que me corrói não descansa.
18 - Pela violência do mal está desfigurada a minha veste; como a gola da minha túnica, me aperta.
19 - Ele me lançou na lama, e fiquei semelhante ao pó e à cinza.
20 - Clamo a ti, e não me respondes; ponho-me em pé, e não atentas para mim.
21 - Tornas-te cruel para comigo; com a força da tua mão me persegues.
22 - Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e dissolves-me na tempestade.
23 - Pois eu sei que me levarás à morte, e à casa do ajuntamento destinada a todos os viventes.
24 - Contudo não estende a mão quem está a cair? ou não clama por socorro na sua calamidade?
25 - Não chorava eu sobre aquele que estava aflito? ou não se angustiava a minha alma pelo necessitado?
26 - Todavia aguardando eu o bem, eis que me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridão.
27 - As minhas entranhas fervem e não descansam; os dias da aflição me surpreenderam.
28 - Denegrido ando, mas não do sol; levanto-me na congregação, e clamo por socorro.
29 - Tornei-me irmão dos chacais, e companheiro dos avestruzes.
30 - A minha pele enegrece e se me cai, e os meus ossos estão queimados do calor.
31 - Pelo que se tornou em pranto a minha harpa, e a minha flauta em voz dos que choram.
Capítulo - 31
1 - Fiz pacto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?
2 - Pois que porção teria eu de Deus lá de cima, e que herança do Todo-Poderoso lá do alto?
3 - Não é a destruição para o perverso, e o desastre para os obradores da iniqüidade?
4 - Não vê ele os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?
5 - Se eu tenho andado com falsidade, e se o meu pé se tem apressado após o engano
6 - {pese-me Deus em balanças fiéis, e conheça a minha integridade};
7 - se os meus passos se têm desviado do caminho, e se o meu coração tem seguido os meus olhos, e se qualquer mancha se tem pegado às minhas mãos;
8 - então semeie eu e outro coma, e seja arrancado o produto do meu campo.
9 - Se o meu coração se deixou seduzir por causa duma mulher, ou se eu tenho armado traição à porta do meu próximo,
10 - então moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela.
11 - Pois isso seria um crime infame; sim, isso seria uma iniqüidade para ser punida pelos juízes;
12 - porque seria fogo que consome até Abadom, e desarraigaria toda a minha renda.
13 - Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles pleitearam comigo,
14 - então que faria eu quando Deus se levantasse? E quando ele me viesse inquirir, que lhe responderia?
15 - Aquele que me formou no ventre não o fez também a meu servo? E não foi um que nos plasmou na madre?
16 - Se tenho negado aos pobres o que desejavam, ou feito desfalecer os olhos da viúva,
17 - ou se tenho comido sozinho o meu bocado, e não tem comido dele o órfão também
18 - {pois desde a minha mocidade o órfão cresceu comigo como com seu pai, e a viúva, tenho-a guiado desde o ventre de minha mãe};
19 - se tenho visto alguém perecer por falta de roupa, ou o necessitado não ter com que se cobrir;
20 - se os seus lombos não me abençoaram, se ele não se aquentava com os velos dos meus cordeiros;
21 - se levantei a minha mão contra o órfão, porque na porta via a minha ajuda;
22 - então caia do ombro a minha espádua, e separe-se o meu braço da sua juntura.
23 - Pois a calamidade vinda de Deus seria para mim um horror, e eu não poderia suportar a sua majestade.
24 - Se do ouro fiz a minha esperança, ou disse ao ouro fino: Tu és a minha confiança;
25 - se me regozijei por ser grande a minha riqueza, e por ter a minha mão alcança o muito;
26 - se olhei para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, quando ela caminhava em esplendor,
27 - e o meu coração se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou a minha mão;
28 - isso também seria uma iniqüidade para ser punida pelos juízes; pois assim teria negado a Deus que está lá em cima.
29 - Se me regozijei com a ruína do que me tem ódio, e se exultei quando o mal lhe sobreveio
30 - {mas eu não deixei pecar a minha boca, pedindo com imprecação a sua morte};
31 - se as pessoas da minha tenda não disseram: Quem há que não se tenha saciado com carne provida por ele?
32 - O estrangeiro não passava a noite na rua; mas eu abria as minhas portas ao viandante;
33 - se, como Adão, encobri as minhas transgressões, ocultando a minha iniqüidade no meu seio,
34 - porque tinha medo da grande multidão, e o desprezo das famílias me aterrorizava, de modo que me calei, e não saí da porta...
35 - Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis a minha defesa, que me responda o Todo-Poderoso! Oxalá tivesse eu a acusação escrita pelo meu adversário!
36 - Por certo eu a levaria sobre o ombro, sobre mim a ataria como coroa.
37 - Eu lhe daria conta dos meus passos; como príncipe me chegaria a ele
38 - Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem;
39 - se comi os seus frutos sem dinheiro, ou se fiz que morressem os seus donos;
40 - por trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jó.
Capítulo - 32
1 - E aqueles três homens cessaram de responder a Jó; porque era justo aos seus próprios olhos.
2 - Então se acendeu a ira de Eliú, filho de Baraquel, o buzita, da família de Rão; acendeu-se a sua ira contra Jó, porque este se justificava a si mesmo, e não a Deus.
3 - Também contra os seus três amigos se acendeu a sua ira, porque não tinham achado o que responder, e contudo tinham condenado a Jó.
4 - Ora, Eliú havia esperado para falar a Jó, porque eles eram mais idosos do que ele.
5 - Quando, pois, Eliú viu que não havia resposta na boca daqueles três homens, acendeu-se-lhe a ira.
6 - Então respondeu Eliú, filho de Baraquel, o buzita, dizendo: Eu sou de pouca idade, e vós sois, idosos; arreceei-me e temi de vos declarar a minha opinião.
7 - Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos ensine a sabedoria.
8 - Há, porém, um espírito no homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz entendido.
9 - Não são os velhos que são os sábios, nem os anciãos que entendem o que é reto.
10 - Pelo que digo: Ouvi-me, e também eu declararei a minha opinião.
11 - Eis que aguardei as vossas palavras, escutei as vossas considerações, enquanto buscáveis o que dizer.
12 - Eu, pois, vos prestava toda a minha atenção, e eis que não houve entre vós quem convencesse a Jó, nem quem respondesse às suas palavras;
13 - pelo que não digais: Achamos a sabedoria; Deus é que pode derrubá-lo, e não o homem.
14 - Ora ele não dirigiu contra mim palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras.
15 - Estão pasmados, não respondem mais; faltam-lhes as palavras.
16 - Hei de eu esperar, porque eles não falam, porque já pararam, e não respondem mais?
17 - Eu também darei a minha resposta; eu também declararei a minha opinião.
18 - Pois estou cheio de palavras; o espírito dentro de mim me constrange.
19 - Eis que o meu peito é como o mosto, sem respiradouro, como odres novos que estão para arrebentar.
20 - Falarei, para que ache alívio; abrirei os meus lábios e responderei:
21 - Que não faça eu acepção de pessoas, nem use de lisonjas para com o homem.
22 - Porque não sei usar de lisonjas; do contrário, em breve me levaria o meu Criador.
Capítulo - 33
1 - Ouve, pois, as minhas palavras, ó Jó, e dá ouvidos a todas as minhas declarações.
2 - Eis que já abri a minha boca; já falou a minha língua debaixo do meu paladar.
3 - As minhas palavras declaram a integridade do meu coração, e os meus lábios falam com sinceridade o que sabem.
4 - O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida.
5 - Se podes, responde-me; põe as tuas palavras em ordem diante de mim; apresenta-te.
6 - Eis que diante de Deus sou o que tu és; eu também fui formado do barro.
7 - Eis que não te perturbará nenhum medo de mim, nem será pesada sobre ti a minha mão.
8 - Na verdade tu falaste aos meus ouvidos, e eu ouvi a voz das tuas palavras. Dizias:
9 - Limpo estou, sem transgressão; puro sou, e não há em mim iniqüidade.
10 - Eis que Deus procura motivos de inimizade contra mim, e me considera como o seu inimigo.
11 - Põe no tronco os meus pés, e observa todas as minhas veredas.
12 - Eis que nisso não tens razão; eu te responderei; porque Deus e maior do que o homem.
13 - Por que razão contendes com ele por não dar conta dos seus atos?
14 - Pois Deus fala de um modo, e ainda de outro se o homem não lhe atende.
15 - Em sonho ou em visão de noite, quando cai sono profundo sobre os homens, quando adormecem na cama;
16 - então abre os ouvidos dos homens, e os atemoriza com avisos,
17 - para apartar o homem do seu desígnio, e esconder do homem a soberba;
18 - para reter a sua alma da cova, e a sua vida de passar pela espada.
19 - Também é castigado na sua cama com dores, e com incessante contenda nos seus ossos;
20 - de modo que a sua vida abomina o pão, e a sua alma a comida apetecível.
21 - Consome-se a sua carne, de maneira que desaparece, e os seus ossos, que não se viam, agora aparecem.
22 - A sua alma se vai chegando à cova, e a sua vida aos que trazem a morte.
23 - Se com ele, pois, houver um anjo, um intérprete, um entre mil, para declarar ao homem o que lhe é justo,
24 - então terá compaixão dele, e lhe dirá: Livra-o, para que não desça à cova; já achei resgate.
25 - Sua carne se reverdecerá mais do que na sua infância; e ele tornará aos dias da sua juventude.
26 - Deveras orará a Deus, que lhe será propício, e o fará ver a sua face com júbilo, e restituirá ao homem a sua justiça.
27 - Cantará diante dos homens, e dirá: Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou.
28 - Mas Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a minha vida verá a luz.
29 - Eis que tudo isto Deus faz duas e três vezes para com o homem,
30 - para reconduzir a sua alma da cova, a fim de que seja iluminado com a luz dos viventes.
31 - Escuta, pois, ó Jó, ouve-me; cala-te, e eu falarei.
32 - Se tens alguma coisa que dizer, responde-me; fala, porque desejo justificar-te.
33 - Se não, escuta-me tu; cala-te, e ensinar-te-ei a sabedoria.
Capítulo - 34
1 - Prosseguiu Eliú, dizendo:
2 - Ouvi, vós, sábios, as minhas palavras; e vós, entendidos, inclinai os ouvidos para mim.
3 - Pois o ouvido prova as palavras, como o paladar experimenta a comida.
4 - O que é direito escolhamos para nós; e conheçamos entre nós o que é bom.
5 - Pois Jó disse: Sou justo, e Deus tirou-me o direito.
6 - Apesar do meu direito, sou considerado mentiroso; a minha ferida é incurável, embora eu esteja sem transgressão.
7 - Que homem há como Jó, que bebe o escárnio como água,
8 - que anda na companhia dos malfeitores, e caminha com homens ímpios?
9 - Porque disse: De nada aproveita ao homem o comprazer-se em Deus.
10 - Pelo que ouvi-me, vós homens de entendimento: longe de Deus o praticar a maldade, e do Todo-Poderoso o cometer a iniqüidade!
11 - Pois, segundo a obra do homem, ele lhe retribui, e faz a cada um segundo o seu caminho.
12 - Na verdade, Deus não procederá impiamente, nem o Todo-Poderoso perverterá o juízo.
13 - Quem lhe entregou o governo da terra? E quem lhe deu autoridade sobre o mundo todo?
14 - Se ele retirasse para si o seu espírito, e recolhesse para si o seu fôlego,
15 - toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó.
16 - Se, pois, há em ti entendimento, ouve isto, inclina os ouvidos às palavras que profiro.
17 - Acaso quem odeia o direito governará? Quererás tu condenar aquele que é justo e poderoso?
18 - aquele que diz a um rei: Ó vil? e aos príncipes: Ó ímpios?
19 - que não faz acepção das pessoas de príncipes, nem estima o rico mais do que o pobre; porque todos são obra de suas mãos?
20 - Eles num momento morrem; e à meia-noite os povos são perturbados, e passam, e os poderosos são levados não por mão humana.
21 - Porque os seus olhos estão sobre os caminhos de cada um, e ele vê todos os seus passos.
22 - Não há escuridão nem densas trevas, onde se escondam os obradores da iniqüidade.
23 - Porque Deus não precisa observar por muito tempo o homem para que este compareça perante ele em juízo.
24 - Ele quebranta os fortes, sem inquirição, e põe outros em lugar deles.
25 - Pois conhecendo ele as suas obras, de noite os transtorna, e ficam esmagados.
26 - Ele os fere como ímpios, à vista dos circunstantes;
27 - porquanto se desviaram dele, e não quiseram compreender nenhum de seus caminhos,
28 - de sorte que o clamor do pobre subisse até ele, e que ouvisse o clamor dos aflitos.
29 - Se ele dá tranqüilidade, quem então o condenará? Se ele encobrir o rosto, quem então o poderá contemplar, quer seja uma nação, quer seja um homem só?
30 - para que o ímpio não reine, e não haja quem iluda o povo.
31 - Pois, quem jamais disse a Deus: Sofri, ainda que não pequei;
32 - o que não vejo, ensina-me tu; se fiz alguma maldade, nunca mais a hei de fazer?
33 - Será a sua recompensa como queres, para que a recuses? Pois tu tens que fazer a escolha, e não eu; portanto fala o que sabes.
34 - Os homens de entendimento dir-me-ão, e o varão sábio, que me ouvir:
35 - Jó fala sem conhecimento, e às suas palavras falta sabedoria.
36 - Oxalá que Jó fosse provado até o fim; porque responde como os iníquos.
37 - Porque ao seu pecado acrescenta a rebelião; entre nós bate as palmas, e multiplica contra Deus as suas palavras.
Capítulo - 35
1 - Disse mais Eliú:
2 - Tens por direito dizeres: Maior é a minha justiça do que a de Deus?
3 - Porque dizes: Que me aproveita? Que proveito tenho mais do que se eu tivera pecado?
4 - Eu te darei respostas, a ti e aos teus amigos contigo.
5 - Atenta para os céus, e vê; e contempla o firmamento que é mais alto do que tu.
6 - Se pecares, que efetuarás contra ele? Se as tuas transgressões se multiplicarem, que lhe farás com isso?
7 - Se fores justo, que lhe darás, ou que receberá ele da tua mão?
8 - A tua impiedade poderia fazer mal a outro tal como tu; e a tua justiça poderia aproveitar a um filho do homem.
9 - Por causa da multidão das opressões os homens clamam; clamam por socorro por causa do braço dos poderosos.
10 - Mas ninguém diz: Onde está Deus meu Criador, que inspira canções durante a noite;
11 - que nos ensina mais do que aos animais da terra, e nos faz mais sábios do que as aves do céu?
12 - Ali clamam, porém ele não responde, por causa da arrogância os maus.
13 - Certo é que Deus não ouve o grito da vaidade, nem para ela atentará o Todo-Poderoso.
14 - Quanto menos quando tu dizes que não o vês. A causa está perante ele; por isso espera nele.
15 - Mas agora, porque a sua ira ainda não se exerce, nem grandemente considera ele a arrogância,
16 - por isso abre Jó em vão a sua boca, e sem conhecimento multiplica palavras.
Capítulo - 36
1 - Prosseguiu ainda Eliú e disse:
2 - Espera-me um pouco, e mostrar-te-ei que ainda há razões a favor de Deus.
3 - De longe trarei o meu conhecimento, e ao meu criador atribuirei a justiça.
4 - Pois, na verdade, as minhas palavras não serão falsas; contigo está um que tem perfeito conhecimento.
5 - Eis que Deus é mui poderoso, contudo a ninguém despreza; grande é no poder de entendimento.
6 - Ele não preserva a vida do ímpio, mas faz justiça aos aflitos.
7 - Do justo não aparta os seus olhos; antes com os reis no trono os faz sentar para sempre, e assim são exaltados.
8 - E se estão presos em grilhões, e amarrados com cordas de aflição,
9 - então lhes faz saber a obra deles, e as suas transgressões, porquanto se têm portado com soberba.
10 - E abre-lhes o ouvido para a instrução, e ordena que se convertam da iniqüidade.
11 - Se o ouvirem, e o servirem, acabarão seus dias em prosperidade, e os seus anos em delícias.
12 - Mas se não o ouvirem, à espada serão passados, e expirarão sem conhecimento.
13 - Assim os ímpios de coração amontoam, a sua ira; e quando Deus os põe em grilhões, não clamam por socorro.
14 - Eles morrem na mocidade, e a sua vida perece entre as prostitutas.
15 - Ao aflito livra por meio da sua aflição, e por meio da opressão lhe abre os ouvidos.
16 - Assim também quer induzir-te da angústia para um lugar espaçoso, em que não há aperto; e as iguarias da tua mesa serão cheias de gordura.
17 - Mas tu estás cheio do juízo do ímpio; o juízo e a justiça tomam conta de ti.
18 - Cuida, pois, para que a ira não te induza a escarnecer, nem te desvie a grandeza do resgate.
19 - Prevalecerá o teu clamor, ou todas as forças da tua fortaleza, para que não estejas em aperto?
20 - Não suspires pela noite, em que os povos sejam tomados do seu lugar.
21 - Guarda-te, e não declines para a iniqüidade; porquanto isso escolheste antes que a aflição.
22 - Eis que Deus é excelso em seu poder; quem é ensinador como ele?
23 - Quem lhe prescreveu o seu caminho? Ou quem poderá dizer: Tu praticaste a injustiça?
24 - Lembra-te de engrandecer a sua obra, de que têm cantado os homens.
25 - Todos os homens a vêem; de longe a contempla o homem.
26 - Eis que Deus é grande, e nós não o conhecemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar.
27 - Pois atrai a si as gotas de água, e do seu vapor as destila em chuva,
28 - que as nuvens derramam e gotejam abundantemente sobre o homem.
29 - Poderá alguém entender as dilatações das nuvens, e os trovões do seu pavilhão?
30 - Eis que ao redor de si estende a sua luz, e cobre o fundo do mar.
31 - Pois por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância.
32 - Cobre as mãos com o relâmpago, e dá-lhe ordem para que fira o alvo.
33 - O fragor da tempestade dá notícia dele; até o gado pressente a sua aproximação.
Capítulo - 37
1 - Sobre isso também treme o meu coração, e salta do seu lugar.
2 - Dai atentamente ouvidos ao estrondo da voz de Deus e ao sonido que sai da sua boca.
3 - Ele o envia por debaixo de todo o céu, e o seu relâmpago até os confins da terra.
4 - Depois do relâmpago ruge uma grande voz; ele troveja com a sua voz majestosa; e não retarda os raios, quando é ouvida a sua voz.
5 - Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nós não compreendemos.
6 - Pois à neve diz: Cai sobre a terra; como também às chuvas e aos aguaceiros: Sede copiosos.
7 - Ele sela as mãos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez.
8 - E as feras entram nos esconderijos e ficam nos seus covis.
9 - Da recâmara do sul sai o tufão, e do norte o frio.
10 - Ao sopro de Deus forma-se o gelo, e as largas águas são congeladas.
11 - Também de umidade carrega as grossas nuvens; as nuvens espalham relâmpagos.
12 - Fazem evoluções sob a sua direção, para efetuar tudo quanto lhes ordena sobre a superfície do mundo habitável:
13 - seja para disciplina, ou para a sua terra, ou para beneficência, que as faça vir.
14 - A isto, Jó, inclina os teus ouvidos; pára e considera as obras maravilhosas de Deus.
15 - Sabes tu como Deus lhes dá as suas ordens, e faz resplandecer o relâmpago da sua nuvem?
16 - Compreendes o equilíbrio das nuvens, e as maravilhas daquele que é perfeito nos conhecimentos;
17 - tu cujas vestes são quentes, quando há calma sobre a terra por causa do vento sul?
18 - Acaso podes, como ele, estender o firmamento, que é sólido como um espelho fundido?
19 - Ensina-nos o que lhe diremos; pois nós nada poderemos pôr em boa ordem, por causa das trevas.
20 - Contar-lhe-ia alguém que eu quero falar. Ou desejaria um homem ser devorado?
21 - E agora o homem não pode olhar para o sol, que resplandece no céu quando o vento, tendo passado, o deixa limpo.
22 - Do norte vem o áureo esplendor; em Deus há tremenda majestade.
23 - Quanto ao Todo-Poderoso, não o podemos compreender; grande é em poder e justiça e pleno de retidão; a ninguém, pois, oprimirá.
24 - Por isso o temem os homens; ele não respeita os que se julgam sábios.
Capítulo - 38
1 - Depois disso o Senhor respondeu a Jó dum redemoinho, dizendo:
2 - Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?
3 - Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderás.
4 - Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento.
5 - Quem lhe fixou as medidas, se é que o sabes? ou quem a mediu com o cordel?
6 - Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina,
7 - quando juntas cantavam as estrelas da manhã, e todos os filhos de Deus bradavam de júbilo?
8 - Ou quem encerrou com portas o mar, quando este rompeu e saiu da madre;
9 - quando eu lhe pus nuvens por vestidura, e escuridão por faixas,
10 - e lhe tracei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos,
11 - e lhe disse: Até aqui virás, porém não mais adiante; e aqui se quebrarão as tuas ondas orgulhosas?
12 - Desde que começaram os teus dias, deste tu ordem à madrugada, ou mostraste à alva o seu lugar,
13 - para que agarrasse nas extremidades da terra, e os ímpios fossem sacudidos dela?
14 - A terra se transforma como o barro sob o selo; e todas as coisas se assinalam como as cores dum vestido.
15 - E dos ímpios é retirada a sua luz, e o braço altivo se quebranta.
16 - Acaso tu entraste até os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo?
17 - Ou foram-te descobertas as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte?
18 - Compreendeste a largura da terra? Faze-mo saber, se sabes tudo isso.
19 - Onde está o caminho para a morada da luz? E, quanto às trevas, onde está o seu lugar,
20 - para que às tragas aos seus limites, e para que saibas as veredas para a sua casa?
21 - De certo tu o sabes, porque já então eras nascido, e porque é grande o número dos teus dias!
22 - Acaso entraste nos tesouros da neve, e viste os tesouros da saraiva,
23 - que eu tenho reservado para o tempo da angústia, para o dia da peleja e da guerra?
24 - Onde está o caminho para o lugar em que se reparte a luz, e se espalha o vento oriental sobre a terra?
25 - Quem abriu canais para o aguaceiro, e um caminho para o relâmpago do trovão;
26 - para fazer cair chuva numa terra, onde não há ninguém, e no deserto, em que não há gente;
27 - para fartar a terra deserta e assolada, e para fazer crescer a tenra relva?
28 - A chuva porventura tem pai? Ou quem gerou as gotas do orvalho?
29 - Do ventre de quem saiu o gelo? E quem gerou a geada do céu?
30 - Como pedra as águas se endurecem, e a superfície do abismo se congela.
31 - Podes atar as cadeias das Plêiades, ou soltar os atilhos do Oriom?
32 - Ou fazer sair as constelações a seu tempo, e guiar a ursa com seus filhos?
33 - Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o seu domínio sobre a terra?
34 - Ou podes levantar a tua voz até as nuvens, para que a abundância das águas te cubra?
35 - Ou ordenarás aos raios de modo que saiam? Eles te dirão: Eis-nos aqui?
36 - Quem pôs sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro?
37 - Quem numerará as nuvens pela sabedoria? Ou os odres do céu, quem os esvaziará,
38 - quando se funde o pó em massa, e se pegam os torrões uns aos outros?
39 - Podes caçar presa para a leoa, ou satisfazer a fome dos filhos dos leões,
40 - quando se agacham nos covis, e estão à espreita nas covas?
41 - Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintainhos clamam a Deus e andam vagueando, por não terem o que comer?
Capítulo - 39
1 - Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando é que parem as corças?
2 - Podes contar os meses que cumprem, ou sabes o tempo do seu parto?
3 - Encurvam-se, dão à luz as suas crias, lançam de si a sua prole.
4 - Seus filhos enrijam, crescem no campo livre; saem, e não tornam para elas:
5 - Quem despediu livre o jumento montês, e quem soltou as prisões ao asno veloz,
6 - ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada?
7 - Ele despreza o tumulto da cidade; não obedece os gritos do condutor.
8 - O circuito das montanhas é o seu pasto, e anda buscando tudo o que está verde.
9 - Quererá o boi selvagem servir-te? ou ficará junto à tua manjedoura?
10 - Podes amarrar o boi selvagem ao arado com uma corda, ou esterroará ele após ti os vales?
11 - Ou confiarás nele, por ser grande a sua força, ou deixarás a seu cargo o teu trabalho?
12 - Fiarás dele que te torne o que semeaste e o recolha à tua eira?
13 - Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas é benigno o adorno da sua plumagem?
14 - Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no pó,
15 - e se esquece de que algum pé os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar.
16 - Endurece-se para com seus filhos, como se não fossem seus; embora se perca o seu trabalho, ela está sem temor;
17 - porque Deus a privou de sabedoria, e não lhe repartiu entendimento.
18 - Quando ela se levanta para correr, zomba do cavalo, e do cavaleiro.
19 - Acaso deste força ao cavalo, ou revestiste de força o seu pescoço?
20 - Fizeste-o pular como o gafanhoto? Terrível é o fogoso respirar das suas ventas.
21 - Escarva no vale, e folga na sua força, e sai ao encontro dos armados.
22 - Ri-se do temor, e não se espanta; e não torna atrás por causa da espada.
23 - Sobre ele rangem a aljava, a lança cintilante e o dardo.
24 - Tremendo e enfurecido devora a terra, e não se contém ao som da trombeta.
25 - Toda vez que soa a trombeta, diz: Eia! E de longe cheira a guerra, e o trovão dos capitães e os gritos.
26 - É pelo teu entendimento que se eleva o gavião, e estende as suas asas para o sul?
27 - Ou se remonta a águia ao teu mandado, e põe no alto o seu ninho?
28 - Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro.
29 - Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe.
30 - Seus filhos chupam o sangue; e onde há mortos, ela aí está.
Capítulo - 40
1 - Disse mais o Senhor a Jó:
2 - Contenderá contra o Todo-Poderoso o censurador? Quem assim argüi a Deus, responda a estas coisas.
3 - Então Jó respondeu ao Senhor, e disse:
4 - Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mão sobre a boca.
5 - Uma vez tenho falado, e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei.
6 - Então, do meio do redemoinho, o Senhor respondeu a Jó:
7 - Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei a ti, e tu me responderás.
8 - Farás tu vão também o meu juízo, ou me condenarás para te justificares a ti?
9 - Ou tens braço como Deus; ou podes trovejar com uma voz como a dele?
10 - Orna-te, pois, de excelência e dignidade, e veste-te de glória e de esplendor.
11 - Derrama as inundações da tua ira, e atenta para todo soberbo, e abate-o.
12 - Olha para todo soberbo, e humilha-o, e calca aos pés os ímpios onde estão.
13 - Esconde-os juntamente no pó; ata-lhes os rostos no lugar escondido.
14 - Então também eu de ti confessarei que a tua mão direita te poderá salvar.
15 - Contempla agora o hipopótamo, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi.
16 - Eis que a sua força está nos seus lombos, e o seu poder nos músculos do seu ventre.
17 - Ele enrija a sua cauda como o cedro; os nervos das suas coxas são entretecidos.
18 - Os seus ossos são como tubos de bronze, as suas costelas como barras de ferro.
19 - Ele é obra prima dos caminhos de Deus; aquele que o fez o proveu da sua espada.
20 - Em verdade os montes lhe produzem pasto, onde todos os animais do campo folgam.
21 - Deita-se debaixo dos lotos, no esconderijo dos canaviais e no pântano.
22 - Os lotos cobrem-no com sua sombra; os salgueiros do ribeiro o cercam.
23 - Eis que se um rio trasborda, ele não treme; sente-se seguro ainda que o Jordão se levante até a sua boca.
24 - Poderá alguém apanhá-lo quando ele estiver de vigia, ou com laços lhe furar o nariz?
Capítulo - 41
1 - Poderás tirar com anzol o leviatã, ou apertar-lhe a língua com uma corda?
2 - Poderás meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada?
3 - Porventura te fará muitas súplicas, ou brandamente te falará?
4 - Fará ele aliança contigo, ou o tomarás tu por servo para sempre?
5 - Brincarás com ele, como se fora um pássaro, ou o prenderás para tuas meninas?
6 - Farão os sócios de pesca tráfico dele, ou o dividirão entre os negociantes?
7 - Poderás encher-lhe a pele de arpões, ou a cabeça de fisgas?
8 - Põe a tua mão sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o farás!
9 - Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será um homem derrubado só ao vê-lo?
10 - Ninguém há tão ousado, que se atreva a despertá-lo; quem, pois, é aquele que pode erguer-se diante de mim?
11 - Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo céu é meu.
12 - Não me calarei a respeito dos seus membros, nem da sua grande força, nem da graça da sua estrutura.
13 - Quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrará a couraça dupla?
14 - Quem jamais abriu as portas do seu rosto? Pois em roda dos seus dentes está o terror.
15 - As suas fortes escamas são o seu orgulho, cada uma fechada como por um selo apertado.
16 - Uma à outra se chega tão perto, que nem o ar passa por entre elas.
17 - Umas às outras se ligam; tanto aderem entre si, que não se podem separar.
18 - Os seus espirros fazem resplandecer a luz, e os seus olhos são como as pestanas da alva.
19 - Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.
20 - Dos seus narizes procede fumaça, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem.
21 - O seu hálito faz incender os carvões, e da sua boca sai uma chama.
22 - No seu pescoço reside a força; e diante dele anda saltando o terror.
23 - Os tecidos da sua carne estão pegados entre si; ela é firme sobre ele, não se pode mover.
24 - O seu coração é firme como uma pedra; sim, firme como a pedra inferior duma mó.
25 - Quando ele se levanta, os valentes são atemorizados, e por causa da consternação ficam fora de si.
26 - Se alguém o atacar com a espada, essa não poderá penetrar; nem tampouco a lança, nem o dardo, nem o arpão.
27 - Ele considera o ferro como palha, e o bronze como pau podre.
28 - A seta não o poderá fazer fugir; para ele as pedras das fundas se tornam em restolho.
29 - Os bastões são reputados como juncos, e ele se ri do brandir da lança.
30 - Debaixo do seu ventre há pontas agudas; ele se estende como um trilho sobre o lodo.
31 - As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de ungüento.
32 - Após si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cãs.
33 - Na terra não há coisa que se lhe possa comparar; pois foi feito para estar sem pavor.
34 - Ele vê tudo o que é alto; é rei sobre todos os filhos da soberba.
Capítulo - 42
1 - Então respondeu Jó ao Senhor:
2 - Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
3 - Quem é este que sem conhecimento obscurece o conselho? por isso falei do que não entendia; coisas que para mim eram demasiado maravilhosas, e que eu não conhecia.
4 - Ouve, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me responderas.
5 - Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos.
6 - Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e na cinza.
7 - Sucedeu pois que, acabando o Senhor de dizer a Jó aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos, porque não tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jó.
8 - Tomai, pois, sete novilhos e sete carneiros, e ide ao meu servo Jó, e oferecei um holocausto por vós; e o meu servo Jó orará por vós; porque deveras a ele aceitarei, para que eu não vos trate conforme a vossa estultícia; porque vós não tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jó.
9 - Então foram Elifaz o temanita, e Bildade o suíta, e Zofar o naamatita, e fizeram como o Senhor lhes ordenara; e o Senhor aceitou a Jó.
10 - O Senhor, pois, virou o cativeiro de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu a Jó o dobro do que antes possuía.
11 - Então vieram ter com ele todos os seus irmãos, e todas as suas irmãs, e todos quantos dantes o conheceram, e comeram com ele pão em sua casa; condoeram-se dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado; e cada um deles lhe deu uma peça de dinheiro e um pendente de ouro.
12 - E assim abençoou o Senhor o último estado de Jó, mais do que o primeiro; pois Jó chegou a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.
13 - Também teve sete filhos e três filhas.
14 - E chamou o nome da primeira Jemima, e o nome da segunda Quezia, e o nome da terceira Quéren-Hapuque.
15 - E em toda a terra não se acharam mulheres tão formosas como as filhas de Jó; e seu pai lhes deu herança entre seus irmãos.
16 - Depois disto viveu Jó cento e quarenta anos, e viu seus filhos, e os filhos de seus filhos: até a quarta geração.